sexta-feira, agosto 31, 2007
Pinguari.
Fato bizarro. Mas se em Pinguari as pessoas transavam como cães, o que os cães faziam? Dormiam em suas camas confortáveis; conversavam sentados em frente das casas, debruçados nas janelas; levavam a vida, viviam.
Pinguari foi invadida por pesquisadores de todas as raças e ramos. Alemães, ingleses, japoneses, africanos, brasileiros e americanos: todos correram para transar como animais. E foram observados pelos cães, que desse fato nada aprendiam.
domingo, agosto 26, 2007
domingo, agosto 19, 2007
domingo, agosto 12, 2007
O Cachorro e o Anão - 3.
Há três meses atrás, enquanto entregava um trabalho para um cliente, cartuns de segurança no trabalho, em uma obra de um futuro edifício comercial, tive o imenso prazer de conhecer Terry.
Terry Evermond é um empresário americano de breve passagem pelo Brasil. Possui uma rede de lojas de informática, a Comperck's. Esperava fazer negócio comprando um dos andares do prédio comercial onde o encontrei, expandindo sua rede até no Brasil.
Ao ouvir meu nome da boca do meu cliente, o chefe da obra, veio cumprimentar-me com real alegria. Perguntou se era eu o desenhista do blog "ENTRE O SONO e o sonho", elogiando-me pelos desenhos e textos e dizendo que sentiu maior interesse pela série "O Cachorro e o Anão".
Terry fala português fluentemente, assim como alemão, espanhol, japonês e italiano, devido a necessidade que seu trabalho impõe. Possui uma inteligência acima da média dos mais inteligentes e conversa de uma forma inspiradora e cativante. Trinte e oito anos bem vividos e aproveitados; uma figura realmente pictórica.
Fui convidado a uma reunião festiva que Terry promoveria em São Paulo. Contaria com presenças importantes: articuladores da informática no Brasil, empresários de sucesso e poucas celebridades comerciais, que Terry conhecia. Pagou-me a passagem e estadia.
Posso dizer que vi muita gente importante, que só observara pela televisão ou revista. Comida excelente, mulheres lindas, semi-deusas, e jazz de melhor qualidade tocado por um grupo americano que Terry trouxe direto dos EUA para a festa. Não receio em dizer que foi uma das melhores noites que já passei.
Sr. Evermond, como todos do salão o chamavam, elevou meus talentos artísticos, muito mais que eu mereço ou merecerei, aos outros convidados e pediu-me para acompanhá-lo à cobertura, onde estava hospedado com seu cachorro Pastor Alemão Branco : Bubastis.
A semelhança de nome do animal de Terry com o de Adrian Veidt, personagem do Watchmen, fez com que eu ficasse extasiado. Havia conhecido um homem semelhante ao brilhante personagem; e talvez, como no quadrinho, ele poderia ser um dos homens mais inteligentes do mundo.
Terry havia levado alguns de seus melhores amigos para a cobertura para assistirem uma prova de meu suposto domínio sobre o desenho. Entregou-me um lápis, um papel e uma prancheta: pediu para desenhá-lo com Bubastis.
Durante meu rápido trabalho, comentei sobre o bom nome de seu bom e belo cachorro, citei Watchmen e Adrian Veidt, e a engraçada semelhança que alojei no meu cérebro.
Depois de ter lido Watchmen procurei algo a respeito sobre o nome Bubastis: descobri ser uma cidade do antigo Egito que ficara famosa pela adoração da deusa Bastet. Fazia sentido. Adrian era fascinado pelo Egito. Faria sentido também o gosto de Terry pelo mesmo.
Perguntei se o motivo do nome era o mesmo do personagem, a cidade egípcia. E para minha surpresa ouvi Terry dizer: "Não, meu amigo, o nome é em homenagem a Watchmen, eu adoro aquela obra".
Passei somente algumas horas em São Paulo, mas foram mais que suficientes para acender o desejo de criação. Reconheci em Terry Evermond um fã sem igual de quadrinhos, e devo a isso seu respeito pelos meus humildes desenhos.
Dei o desenho ao Terry. Ele mandou-me uma cópia por e-mail; disse que minha arte estava em evolução e que não tardaria para descobrir minha própria capacidade de expressão; que seria uma grande artista no futuro.
Agradeço ao Terry pela grande experiência. E quando ouvir a palavra "anão" ou o nome da maravilhosa obra "Watchmen", lembrarei de Terry Evermond, o anão mais inteligente que o mundo concebeu. Obrigado Terry, e Bubastis.
O Anão e o Cachorro.
domingo, agosto 05, 2007
Velho sentado.
Vi um senhor de idade sentado em frente à sua casa.
Achei fenomenal sua postura, o trançado da cadeira, o brilho do aço exposto ao sol, a tranqüilidade que ele transmitia.
Não tive tempo de sentar e desenhar ali na hora; não tinha máquina para fotografar.
Quando tentei me lembrar, posteriormente, de todos os detalhes do quadro que havia presenciado, só veio-me na cabeça minhas formas pré-definidas de sempre. Minha arte manjada e de total influência de artistas de quadrinhos. Um desenho fácil, simples, esquemático e sem emoção.
Oscar Wilde diz, no livro do Dorian Gray , que se conseguíssemos mostrar plenamente o que sentimos através da arte - livros, quadros, músicas - esqueceríamos de guerras, ódio, mesquinhez, enfim, toda essa bobagem em que vivemos hoje em dia. Viveríamos por arte e para arte.
Recordo remotamente alguma passagem da Bíblia, que diz que ao homem não foi dada a capacidade de lembrar-se nitidamente de seu passado, de coisas vistas - não recordo da conclusão do versículo.
Incomoda-me muito esse fato. A única coisa que me incomoda, na verdade. O fato das pessoas não ligarem, simplesmente, de levarem uma vida patética e sem significado.
E aos que ligam, e já experimentaram o gosto da excelência - como escreveu Harlan Ellison na introdução do Sandman - Estação das Brumas - , a realidade se torna um peso enorme de tédio e banalidade.
Isso explica o fato da maioria dos artistas, bons e verdadeiros artistas, serem considerados esquisitos, extravagantes.
Eu não diria isso, digo que são raros, muito raros!
"Talvez seja este o único aspecto desalentador da excelência: ela transforma a vida num mundo medíocre, algo muito semelhante a um inferno. É uma percepção sutil, mas desesperadora."
A Causa Secreta
— Que é? perguntou-lhe.
— O rato! o rato! exclamou a moça sufocada e afastando-se.
Garcia lembrou-se que, na véspera, ouvira ao Fortunato queixar-se de um rato, que lhe levara um papel importante; mas estava longe de esperar o que viu. Viu Fortunato sentado à mesa, que havia no centro do gabinete, e sobre a qual pusera um prato com espírito de vinho. O líquido flamejava. Entre o polegar e o índice da mão esquerda segurava um barbante, de cuja ponta pendia o rato atado pela cauda. Na direita tinha uma tesoura. No momento em que o Garcia entrou, Fortunato cortava ao rato uma das patas; em seguida desceu o infeliz até à chama, rápido, para não matá-lo, e dispôs-se a fazer o mesmo à terceira, pois já lhe havia cortado a primeira. Garcia estacou horrorizado.
— Mate-o logo! disse-lhe.
— Já vai.
E com um sorriso único, reflexo de alma satisfeita, alguma coisa que traduzia a delícia íntima das sensações supremas, Fortunato cortou a terceira pata ao rato, e fez pela terceira vez o mesmo movimento até a chama. O miserável estorcia-se, guinchando, ensangüentado, chamuscado, e não acabava de morrer. Garcia desviou os olhos depois voltou-os novamente, e estendeu a mão para impedir que o suplício continuasse, mas não chegou a fazê-lo, porque o diabo do homem impunha medo, com toda aquela serenidade radiosa da fisionomia. Faltava cortar a última pata; Fortunato cortou-a muito devagar, acompanhando a tesoura com os olhos; a pata caiu, e ele ficou olhando para o rato meio cadáver. Ao descê-lo pela quarta vez, até a chama, deu ainda mais rapidez ao gesto, para salvar, se pudesse, alguns farrapos de vida.
Garcia, defronte, conseguia dominar a repugnância do espetáculo para fixar a cara do homem. Nem raiva, nem ódio; tão-somente um vasto prazer, quieto e profundo, como daria a outro a audição de uma bela sonata ou a vista de uma estátua divina, alguma coisa parecida com a pura sensação estética. Pareceu-lhe, e era verdade, que Fortunato havia-o inteiramente esquecido. Isto posto, não estaria fingindo, e devia ser aquilo mesmo. A chama ia morrendo, o rato podia ser que tivesse ainda um resíduo de vida, sombra de sombra; Fortunato aproveitou-o para cortar-lhe o focinho e pela última vez chegar a carne ao fogo. Afinal deixou cair o cadáver no prato, e arredou de si toda essa mistura de chamusco e sangue.
Ao levantar-se deu com o médico e teve um sobressalto. Então, mostrou-se enraivecido contra o animal, que lhe comera o papel; mas a cólera evidentemente era fingida. "