domingo, maio 27, 2007

Enterro.


Os Contos Extraordinários de ...



Mais uma das milhares de idéias para meus futuros quadrinhos.

Ainda não tenho um nome definido para esse personagem, mas já sei o contexto.
A intenção dessas histórias será treinar minha capacidade para contos bizarros, ou extraordinários para ser menos agressivo.
O contador dos contos será o personagem acima, que interpretará suas histórias pelo preço de uma moeda.

"Um conto?
Uma moeda!"
Eu serei o ouvinte dessas história, o personagem que dividirá o papel principal com esse velho.
De histórias urbanas à relatos alienígenas, o leque de cultura desse velho proporcionará grandes prazeres para o ouvinte, que o buscara no dia seguinte para contar mais um conto, e mais um, e mais um ... aumentado a cada dia seu mistério, sua origem, pois ao mesmo tempo que se veste como um mendigo, fala e gesticula como um lorde. Ou quando se veste como um finíssimo cavalheiro, fala e baba como um mendigo.
Só falta um nome.

A menina dos meus sonhos.

Gostaria de poder prendê-la; mantê-la em um vidro confortável e brilhante onde todos os dias, após chegar cansado de meus deveres desconstrutivos, eu pudesse sentar e descansar olhando seus gestos, seu rosto, os dentes perfeitos, seus cabelos vermelhos, seus olhos simples e sinceros.
Em sonhos freqüentes, onde visitam-me seus lábios, sinto o ápice do contentamento. Esqueço a normalidade e mecanicidade da vida.

Às vezes, quando encontro-me em sua presença, sinto um grave desejo de pergunta “você está ciente que é a mais bela?”. Ela sorriria, envergonhada, olharia para o chão, diria “obrigada”.

Não entendo como tão delicada e leve obra pode conviver conosco, animais incontroláveis, neste mundo sujo, confuso e instável. Quem sabe presente dos deuses, castigo, ou simplesmente erro.

segunda-feira, maio 21, 2007

Em algum ponto
Tornei-me um animal.
Exagero? Talvez ...
Mas para tanto,
Preciso ser tratado como tal.

O tratamento,
Que comecem
Nessa forma.

Antes que o último laço
Seja rompido,
Que o rosto de dentro
Seja revelado,
Que lágrimas rolem
Pelos semblantes.

Que percebam, enfim,
Que o perdido
Era a espereança
De ser aquele, realmente,
Que merecia ser amado.
Seguia pela rua segura, inseguro. Olhava para baixo, cabisbaixo, no escuro, no silêncio.
Voltava sempre tarde; tarde demais para tudo. Nunca alguém na rua, era tarde.
Andava com pressa, ansioso.
Não ouvia, mas em certo momento eu via: uma menina, criança demais, brincando com sua boneca, virada para uma parede de alguma loja fechada. Estava quente, senti frio.
Ela estava sozinha; era tarde, escuro, silencioso, fechado, tarde demais para qualquer um estar na rua. Mas ela estava lá, sem pai nem mãe, rindo. Enquanto eu voltava para casa, com a boneca ela brincava, virada para a parede do comércio fechado, escuro demais.
Se me viu, não se importou, não se virou. Passei ao seu lado, com medo, inseguro, ansioso e com pressa. Pois sabia que não era uma menina, era tarde demais.
Intoleravelmente tarde para uma boneca na rua.

sexta-feira, maio 18, 2007

Perfeição.

Legião Urbana

Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso estado que não é nação
Celebrar a juventude sem escolas
Crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar eros e thanatos
Persephone e hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras e sequestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda a hipocrisia e toda a afetação
Todo roubo e toda a indiferença
Vamos celebrar epidemias:
É a festa da torcida campeã
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos o hino nacional
A lágrima é verdadeira
Vamos celebrar nossa saudade
E comemorar a nossa solidão
Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer da nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isso
Com festa, velório e caixão

quarta-feira, maio 09, 2007

Poderes Mutantes.

É revoltante o esforço que alguém que busca silêncio tem que realizar para achar um local tranqüilo, sem falatórios ou músicas pop “estuprando seus ouvidos” (como disse meu amigo), para poder ler algumas páginas. Praticamente impossível a esse horário, onde a maioria das pessoas está indo aos restaurantes e lanchonetes para almoçar.
Estava pensando nisso enquanto andava em busca do utópico lugar. Pô, o que me alimenta nesse horário é a ausência de pensamentos relacionados com trabalhos e futilidades gerais, como se fosse um alimento em si, me dá forças pro resto do dia; não mereço um pingo de consideração? Esqueço-me do resto do dia na verdade, pois depois passo o tempo todo remoendo o que li, ou tentando decorar as passagens principais.
Passei por bares, com senhores encharcando-se de cerveja e falando alto e mole, olhei as padarias, com suas mesas ocupadas por pessoas apressadas comendo velozmente, passei em lan-house’s, com suas músicas modernas a mil e os gritos dos jovens falidos. O silêncio é mesmo muito raro.
Resolvi voltar ao primeiro lugar que fui, antes de andar pelas ruas buscando outra mesa, de onde tinham me obrigado a sair, pois a funcionária estava limpando o chão. Voltei frustrado e chateado, mas sabia que a limpeza provavelmente já teria acabado.
Era ali que eu passava meus horários de estudos normalmente, sempre com a música, a maldita música, pop, com seus gritos e extravagâncias eletrônicas. Mas eu gostava de lá, depois de um tempo de esforço era possível ignorar os ruídos do rádio.

A limpeza havia acabado. Sentei, derrotado; pedi um suco, peguei o livro e comecei a ler.
As poucas pessoas que ali estavam foram embora, a música parou, os funcionários pararam de conversar. E o mais impressionante, não menos assustador, foi ouvir “desculpa, você está lendo” da funcionária que ia falar comigo.
Silêncio.

Deus é bom, às vezes.
Ou seriam meus poderes mutantes?

quinta-feira, maio 03, 2007

Lágrimas e Cigarros.

- Vou comprar cigarro!

Vilma estremeceu. Sabia que depois dessa briga isso podia significar a fuga de casa do marido.
Seu relacionamento não ia bem. O dinheiro estava escasso, causa da maior parte das discussões entre ela e seu amado. Seus filhos passavam fome, a energia estava cortada, a conta da água venceria na próxima semana, e ela e seu marido, João, não conseguiam contornar a situação. Não sem emprego fixo. Mas ela o amava! Isso não seria o bastante? Para João não, ele se preocupava com sua vida.

- Vou comprar cigarros, mulher! Ainda me restam alguns trocados, vou gastá-los com algo para mim.
- Por favor, não vá João. Peço desculpas, não irei mais discutir com você – disse Vilma, aflita.
- Na nossa atual situação, mulher, não há como não discutir. Largue-me, irei comprar cigarros! – tentava livrar seu braço esquerdo das mãos trêmulas e fortes de sua esposa.
- Por favor, João, pense nas crianças, pense em mim. Sem você não conseguirei nunca sair desse buraco, não vá! ...
- Que história é essa, mulher?! O bar é ali na esquina, não demoro nem dez minutos, me solte! – disse empurrando-a levemente para soltar-se da mordaça humana.
- Me bata! Isso! Espanque-me até sua ira sumir, João. Antes uma mulher deformada fisicamente a uma infeliz sem forças, um ser inerte sem espírito, sem amor. Você é meu amor. Você, João!
- Ora! – livrou-se dela impetuosamente – você está louca, mulher. Eu sabia que isso não tardaria a acontecer, não no meio desta situação. Vá descansar, irei comprar cigarros...

E caminhando até a porta, João ainda a ouviu em sua última súplica. Antes do ataque de fúria suprema que tomou conta de Vilma.

- Outra! Você tem outra! Cretino, bastardo! Está me traindo, traindo sua família. – gritou Vilma, correndo na direção de João como um animal bestial.
- BASTA! Deixe-me em paz, mulher – respondeu João como um trovão, batendo a porta ao sair.

Estava só. Abandonada pelo marido. Jogada ao mundo com suas duas crias sujas e mal vestidas.
E na dor que a tristeza lhe causava, Vilma não conseguia ver outra perspectiva. Estava amargurada, desesperada, contraída pela dor do coração.
Foi até a cozinha. Seu rosto estava vermelho, irritado pelas lágrimas grossas e salgadas que lhe rolavam face abaixo, devagar e lentamente, como se aproveitassem de cada instante da dor de Vilma. Lenta e devagar. Pegou a faca, a mais afiada, com sua lâmina reluzente sorrindo para sua vítima, refletindo na sua fria superfície a expressão de dor e loucura dela.
Colocando-a sobre o peito, preparou-se para a afundar corpo adentro, quando de súbito, ouve-se a porta da rua abrindo-se e a voz de seu amado:

- Dane-se o cigarro, Vilma. Comprei pão e leite para as crianças. Vilma?