domingo, abril 22, 2007

Atos - 1.

"Prefiro um pensamento falso a uma rotina verdadeira."
Alain
23 horas 30 minutos.
Chegava em casa depois de mais um dia. Cansado, sujo, suado.
Não estava alterado pelo fato do dia ter sido igual a todos os anteriores, estava incomodado pelo clima que senti ao permanecer durante 20 minutos dentro do maravilhoso transporte coletivo que sou obrigado a utilizar.
O único sofrimento que é realmente dispensável e inútil, sem aprendizado algum, é o terror de um ônibus lotado. As conversas esdrúxulas que você é forçado a ouvir já são motivos suficientes para uma revolta, poupam-me o trabalho de descrever os outros diversos fatores.
Não acredito que haja homem algum mais deprimido que eu quando estou dentro de um ônibus lotado.
Os catalisadores de todo esse sentimento demoníaco que me envolvia foram as aulas de exatas que tive. Antes de me enfiar no expresso infernal.
E quando a maioria das pessoas já se preparavam para dormir eu cheguei.
Antes do murro na janela da porta do prédio eu pensei “esteja aberta”. Estava fechada. O estrondo dentro do prédio foi grande. Porém o soco não foi forte o suficiente para quebrar o vidro.
Eu já sabia que logo viria o vizinho amigo do povo que mora no térreo, ali do lado da porta. E veio, com uma chave na mão, disse “boa noite” e deu duas voltas na fechadura da porta de alumínio , abrindo-a para eu entrar.
“Boa noite, senhor! Eu tenho minha chave!”. Do lado de fora, puxei a porta e a tranquei novamente. Pedi ao senhor para que não se intrometesse nos meus assuntos. E quando fui questionado sobre quê assuntos eram esses, eu o mostrei através de imagens.
“São esses, excelentíssimo cavalheiro”, disse ao mesmo tempo em que chutava com a sola do tênis a parte inferior da porta. O barulho, àquela hora da noite, tomava proporções assustadoras, senti que poderia ser ouvido por todos os condomínios vizinhos. Ouvido gritando, esmurrando o vidro, quebrando-o em dezenas de pedaços junto ao sangue que escorria de minhas mãos. Fui escutado, sentido por alguns, mas não visto. O único que via era o senhor, estático e trêmulo. Tamanha animalidade e brutalidade nunca foram presenciadas em sua vida.
Socava e chutava a entrada, incansável e incessantemente, tornando realidade meus desejos escondidos, descontando todo tempo perdido por obrigações supérfluas. Soltando um urro deformado, maior que o de qualquer fera, maior que tudo.
Reduzi a porta a alumínio retorcido. A abri com facilidade depois de estourada sua fechadura.
Olhando para o bom vizinho, levei a mão ensangüentada à boca, lambi meu sangue quente e grosso e disse, calma e tranquilamente, “obrigado meu nobre amigo, mas desejava destruir a porta”.
Ao contrário do que pensei o vizinho não demonstrou nenhuma reação contrária ou violenta. Nenhum dos moradores se manifestaram. Fique parado por alguns segundos esperando o pior, somente para ver o senhor voltando para o seu apartamento e uma senhora fechando a fresta da porta que abrirá para averiguar o caso. Vizinhos, quem os entende?
Subi para meu apartamento, direto para minha cama, dormir satisfeito com mais um fim de noite agradável.

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