sexta-feira, março 16, 2007

Bipolar .

Havia começado a chover a pouco tempo, quando olho para fora, distraído com minhas obrigações banais, e vejo um homem estranho, chegando da chuva para perto da porta. Andava em um ritmo descompassado e estranho, movia pouco os braços, como para poupar energia. Uma calça qualquer, uma camiseta azul e um chinelo de dedo lhe eram suficientes como vestimenta, e não se importava, andava na chuva.
Passou e olhou para dentro, aparentemente tímido, sem dizer nada. Olhou para a placa no lado de fora, olho para os lados e passou novamente, pela frente.
Evitei olhá-lo diretamente, algumas vezes isso incomodava os novos clientes, olhava para frente, cuidando de meus afazeres.
Alguns minutos depois de sua análise pessoal, resolveu entrar, como que somente para olhar.
Olhei para minha companheira de trabalho, e entendi que aquele afastamento por onde ele andava significava que seria eu seu atendente.
- Boa tarde...
- Só conhecendo...
- Certo, fique a vontade.
Não ficou, e se encolhia algumas vezes, ou se mexia como se pequenos choques o fizessem andar para trás.
Passou algum tempo e ele veio me falar, enquanto eu arrumava as embalagens de arroz no seu devido lugar.
- Vocês... Conseguem consumidores para esse tipo de produto?
- Sim... Muitas pessoas estão procurando saber mais e nos visitam para sab...
- Você estuda? - me interrompeu em um tom estranho.
- Sim, vou prestar vestibular no fim do ano.
Perguntou o preço da goiabada e pegou a primeira da fileira.
- Vou levar uma...
Com a goiabada nas mãos, ficou mais um longo tempo calado observando meu trabalho, sem demonstrar nenhum interesse.
- E você? Estuda? – perguntei forçadamente para diluir o silêncio.
- Não... – dizia sempre estranhamente – comecei dois cursos superiores, mas acabei desistindo...
Estranho era conversar com ele, suas frases soavam incompletas e demonstrava estar sendo pressionado por alguma coisa, por dentro.
- Desistiu por quê? Não era sua área?
- Eu gostava, mas os medicamentos não me deixavam disposto a assistir as aulas, sempre dormia ou perdia o raciocínio.
Agora eu estava sozinho, minha parceira tinha se retirado para os fundos depois da última frase. Não sabia se prosseguia ou parava com a conversa, com medo do seu jeito agressivo passivo, mas ao mesmo tempo curioso em saber o quê perturbava esse rapaz.
- E você medica o quê? – perguntei hesitante.
- Ah, não me lembro direito – disse coçando a cabeça e agitando-se – sei lá, é muito forte, é... ah ..
Já não queria mais saber, sua irritação não demonstrava condescendência com o misterioso mal.
Assustei-me ao vê-lo mover-se e contorcer-se enquanto se lembrava da doença que remediava. Porém a revelou sem muito enrolar, disse:
- Sofro do transtorno bipolar!
Assustado e admirado em conhecer uma pessoa com essa famosa doença, olhei para o rapaz e entendi o significado de como alguém pode se sentir uma aberração.
Olhando para baixo e envergonhado, ele falava com uma voz calma, novidade até então.
- Mas eu sou normal, pra mim estou normal... ah, nem quero mais saber, não to nem ai, consigo conviver com as pessoas, não gosto de remédios e de médicos ...
- Remédios nunca fazem bem realmente. - disse isso em vão, pois deixando o dinheiro da goiabada, para chuva o jovem já havia saído.
Por fim voltou minha parceira receosa, me olhando assustada, perguntando sobre essa experiência louca que futuramente ainda será contada.
Minutos depois se foi embora também a chuva, e o sol voltou novamente forte e luminoso a brilhar, achei bizarro o fenômeno, e no meio dos pensamentos confusos de pouco tempo atrás achei a idéia que o iria consolar:
- Relaxa, até o clima sofre de transtorno bipolar.

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